17/07/2007

Adelaide vai à ópera - Tatjana Hauptmann

A senhora Adelaide Caracol está a preparar-se para uma grande noite. Tem novamente um espectáculo na Opereta dos Caracóis e vai cantar o papel principal.
Espreguiça-se em frente ao espelho a estudar a sua parte. De cantar, não precisa, só fazer de conta, porque os caracóis não ouvem. Passa a tarde inteira a dar os últimos retoques ao seu papel.
Enquanto isso, Alfredo Caracol, o seu marido caracol, toma banho na banheira nova, que há uns dias caiu tão repentinamente do céu. É certo que tem uma rachadela mas caiu numa tal posição, que a água da chuva não sai.
O tempo passa a voar. Adelaide dá um toque a Alfredo para que se despache e vá tratar do Norberto.
Norberto é o filho caracol e o caracol mais lento das redondezas. Passa o tempo todo colado ao tecto da sala, ao lado do lustre; é o lugar cativo dele. Lá de cima consegue ver quase tudo o que se passa.
Ele lá desce, contrariado, e desliza, carrancudo, aos empurrões ao morango de futebol. Preferia ficar em casa a brincar com o filho do vizinho. O teatro não lhe interessa absolutamente nada e até o acha enfadonho.
Mas, para a senhora Caracol, é das coisas mais importantes. Dá um toque ao Norberto para lhe dar uma mãozinha com o vestido de noite.
Nos corninhos põe o chapéu que o Norberto lhe trouxe do armário. Mas está nervosa e hoje nada lhe agrada.
Norberto traz-lhe um chapéu atrás do outro e já está quase sem fôlego.
A Senhora Caracol quer agora o chapéu com canudinhos de couve que está no fundo do armário. Norberto já está farto de remexer nos chapéus e, sem que a mãe caracol se aperceba, dá-lhe o primeiro, com a cardamina. Finalmente, ela decide-se por esse.
“Porque não se decidiu logo no início?”, pensa Norberto e, ofendido, encolhe os corninhos.
A família caracol desliza pela casa numa grande excitação. A Senhora Caracol, porque tem medo do palco, o Senhor Caracol, porque ainda não estão prontos. Só o Norberto é que não sabe lá muito bem porque está excitado. Talvez por ser sempre muito lento e agora ter de se despachar.
O relógio já mostra as cinco horas e o pano sobe às oito.
O senhor Alfredo Caracol zanga-se porque ainda ninguém inventou um relógio para caracóis que ande mais devagar. É que ele é director de uma grande fábrica de cola e, pela manhã, os trabalhadores chegam todos sempre tarde ao trabalho.
A senhora Caracol embrulha-se na écharpe de noite mas, assim que se vê ao espelho, assusta-se de tal forma que toda a Vivenda Caracol estremece. A écharpe está murcha e toda comida nas pontas pelas lagartas! Com o choque, a senhora Caracol fica com os olhos arregalados e começa a revolver o armário todo num frenesim. Tira daqui uma gola de bicos de salsa, dali um véu de erva para os corninhos, que usou no casamento e já está todo seco. Como não consegue separar-se dele, volta a pô-lo no armário.
O senhor Caracol já está tão excitado, que até ficou pálido. Ele já está pronto: colou o laço ao pescoço e pôs orgulhosamente o chapéu alto nos corninhos.
Enquanto Adelaide se polvilha com pólen-de-flor e se perfuma com perfume de alface, o senhor Caracol repara que Norberto já não está ali.
“Mas onde é que este caracolzinho se tornou a meter?”, pensa ele, enquanto segue o rasto de baba que o filho deixou pelo caminho. Desliza para fora da porta, pelo carreiro do jardim abaixo e depois pára. O rasto de baba leva-o à roda de um carro e o Norberto está sentado mesmo no meio da jante.
A senhora Caracol também já lá vem deslizando. Está magnífica! Em vez da folha de alface murcha, colou malmequeres no decote. O senhor Caracol fica muito vermelho por causa do perfume e o Norberto começa a tossir.
Sobem para a roda, para junto do Norberto e elogiam-no pela boa ideia que teve em como chegar ao Teatro Caracol de uma forma tão rápida e confortável. Mas a jante não é um lugar lá muito seguro. De repente, o motor começa a trepidar e a roncar com um barulho ensurdecedor e a viagem inicia-se.
A família Caracol começou a ver tudo a girar à sua volta e ela encolheu-se nas suas casas. Colaram-se à roda com quanta força tinham, senão ainda seriam projectados em arco para a estrada.
Norberto até acharia muito engraçado, se não estivesse tão enjoado. A senhora Caracol está quase a desmaiar.
Que contentes ficaram quando o carro finalmente parou. Deslizaram logo da roda o mais depressa que puderam.
O senhor Caracol limpa o suor da testa e a senhora Caracol volta a dar forma ao chapéu. O Norberto perdeu o laço mas no meio da excitação ninguém reparou. Pragueja e gesticula com os corninhos:
— Também não era preciso termo-nos apressado tanto — diz. — Chegámos cedo de mais. E agora, o que é que vamos fazer?
A senhora Caracol acalma-o e lá deslizam calmamente pelo último troço de caminho que os leva ao teatro, onde todos aguardam a chegada da senhora Caracol.
Apesar de toda a excitação por que passou, esteve fantástica no seu papel. Centenas de flores caem no palco, o público está entusiasmadíssimo e elogiam-na como uma diva da ópera.
O senhor Caracol está todo inchado de orgulho.
O Norberto já se recolheu há muito na sua casinha e… adormeceu.


Tatjana Hauptmann
Adelheid geht in die Oper
Zurique, Diogenes Verlag, 2004
Tradução e adaptação

Sem comentários: