03/07/2007

A arvorezinha da vida - Theodor Weissenborn

Na Rua do Ferro-Velho, em frente ao lar da Terceira Idade onde vivia a minha mãe, existia, por detrás de um muro coberto de telhas e com uma porta de grade, um pequeno jardim aberto aos moradores do lar e aos transeuntes que quisessem descansar num dos bancos lá existentes. O jardim era um triângulo delimitado por dois altos muros corta-fogo, enquanto o lado mais pequeno dava para a rua.
Pelas paredes não rebocadas trepava hera até ao segundo andar, tentando esconder o castanho-ferrugem dos tijolos gastos pelo tempo. Encostados às paredes havia alguns bancos, de onde se podia olhar para o centro do jardinzinho triangular, que só à tarde recebia a luz quente do sol, e ainda assim por pouco tempo. De resto, ficava mergulhado numa sombra melancólica.
Pela sua forma, o terreno não servia para construção, por isso o proprietário oferecera-o à casa Edmund-Hilvert, para que os seus moradores pudessem usá-lo como uma espécie de oásis no meio do deserto de pedra. A minha mãe usufruía do pequeno jardim. Depois do almoço, saía pela porta das traseiras, passava pelos contentores do lixo, atravessava a rua, abria a portinhola de grade e entrava no jardim, para se sentar num dos bancos pintados de branco virados para a parede com hera, ficando com o relvado à sua frente e, no meio deste, um pequeno ácer que lutava pela vida.
Ou porque a camada de húmus era muito fina, ou porque o terreno estava cheio de entulho, de pedras, de argamassa, de calcário e de cimento, ainda do tempo da guerra — talvez até venenos — ou mesmo por falta de sol, a pequena árvore era raquítica, miserável, com os seus frágeis ramos tristemente erguidos para a luz, como numa prece nunca atendida.
As folhas estioladas, sempre cobertas de pó, pendiam da arvorezinha: era como se ela não conseguisse respirar, ou melhor, sofresse de asma e respirasse com dificuldade.
A pequena árvore bem poderia ter feito parte do cenário da peça “Godot” de Beckett. (À espera de Godot, peça do escritor irlandês Samuel Beckett). Era um cadáver vivo marcado pelo hálito da morte. E, ao mesmo tempo, na sua derradeira essência, representava a árvore como ser. Assim era e assim queria ficar.
Quando ia ao jardinzinho, minha mãe levava sempre um pequeno regador de plástico cor-de-laranja. Enchia de água o regador, com o qual, aliás, costumava regar as flores do peitoril da janela, e dava água à arvorezinha, a pouca que o regador podia levar e que ela conseguia transportar. Sentava-se então em frente da pequena árvore e ficava a vê-la agitar-se. Sim, porque ela mexia-se quando o vento passava e a bafejava; o vento que era capaz de dar vida, de a tirar e de a voltar a dar. E eu tenho a certeza de que, de algures, vinha até nós o chamamento de um melro. Ou ouvia-se o saltitar de um pássaro, de um pássaro qualquer, ali entre as paredes, de manhã cedo, pelo nascer do sol, e à noitinha, ao pôr-do-sol; e a minha mãe ouvia o chamar do pássaro, assim como percebia a muda agitação da pequena árvore. E mesmo que a não abraçasse nem falasse com ela, tinha na pequena árvore um vizinho e um alimento para os olhos, que, de outro modo, estariam cegos e vazios.
A arvorezinha erguia-se ali em representação de todas as árvores que alguma vez, ali ou noutros lugares, se ergueram, cresceram e definharam, e das que naquele momento cresciam noutro lugar. Árvores que, dali em diante, viveriam e morreriam como os homens e os animais e tudo o que, tendo vida e querendo viver, estava já talhado para a morte.
Eu encontrava-me sentado ao lado de minha mãe, que tinha ido visitar. Ela regara a arvorezinha, como fazia todos os dias, e estava agora com o regador cor-de-laranja vazio ao colo a dizer-me que todos os dias fazia aquilo.
— Espera só mais um bocadinho! — dissera-me quando ainda estávamos no lar. — Primeiro tenho de encher o regador.
De início, eu não percebia porque levava o regador, mas agora sabia-o.
— Sempre foste adoentado — disse minha mãe. — Já em criança. Adoecias muitas vezes.
Olhei para a arvorezinha. Era tão pequena, que tive a impressão de estar a olhá-la de cima para baixo. Encontrava-me sentado ao lado de minha mãe, que sabia que a sua vida se aproximava do fim e que, mesmo assim, se preocupava com aqueles que viviam. E eu sabia que, fizesse eu o que fizesse, nunca iria ser capaz de fazer nada melhor do que aquilo.


Theodor Weissenborn


SOS-Kinderdorf Caderno Anual, 1996
Texto adaptado


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